Gonçalo Júnior: Tex e história das HQ no Brasil

Roteirista de HQs e jornalista especializado na área, Gonçalo Junior é autor de clássicos instantâneos sobre a história das Histórias em Quadrinhos, caso de "Guerra dos Gibis", em que narra a transformação dos quadrinhos em negócio no Brasil. Em entrevista, Gonçalo Junior fala de seu novo livro, "O mocinho do Brasil", em que acompanha a trajetória editorial do caubói italiano Tex no país.


No livro, fica claro que você é daqueles apaixonados pelo personagem. No entanto, como jornalista e historiador dos quadrinhos no Brasil, quando você viu que Tex merecia (ou rendia) um livro?
Este livro é, na verdade, uma provocação minha à arrogância e à prepotência de muitos que se dizem conhecedores, estudiosos e especialistas em quadrinhos. Muitos desses caras não gostam da minha postura provocativa em relação à mediocridade que marca boa parte da pesquisa sobre gibis no país - pela sua pobreza temática e superficialidade. Assim, faço dessa obra mais uma cutucada ao preconceito que essas pessoas têm e que só reforçam a imagem ruim contra os gibis como forma de expressão, de comunicação e de arte. Essas pessoas são as mesmas que generalizam e dizem que mangá e Tex são subprodutos do mercado, criados para venda fácil (exploração comercial) e em larga escala. Na verdade, isso me estimulou a fazer a obra, pois, claro, eu sempre soube que Tex merecia um livro por muitas razões e não apenas uma. Passei toda a minha infância e adolescência (anos de 1970 e 1980) lendo o personagem, mais super-heróis, Disney, Maurício, Luluzinha, Riquinho, Spektro etc. E todos esses gêneros sempre conviveram harmoniosamente para mim, na minha cabeça. Tex é, antes de tudo, um fenômeno editorial no Brasil. E, como tal, merece ser estudado e melhor compreendido. Sem dúvida que tem uma fórmula que, graças à competência de seus editores italianos, consegue se manter interessante a um grande público. Ao mesmo tempo, traz elementos folhetinescos que sempre alimentaram a literatura de entretenimento, como acontece também com o mangá. Só que, em diferentes momentos, várias aventuras extrapolaram essa receita e se de stacaram como clássicos do faroeste - num nível tão marcante que se aproximam de grandes filmes, como os de Sérgio Leone e Jonh Ford, dois mestres do gênero que mais gosto. Existem muitas outras observações que justificam o livro e eu convido o leitor do seu jornal a conhecê-las melhor.

No livro, você tenta explicar a longevidade de Tex no Brasil a partir do perfil de seu leitor. No entanto, como explicar a renovação de público para aventuras de faroeste, que não encontram o mesmo espaço de antigamente na TV e no Cinema?
Creio que, ao voltar à minha descoberta de Tex na infância, consiga responder sua pergunta. Eu sempre gostei de faroeste, principalmente no cinema e na TV. E isso me levou a pegar um gibi para ler – Tex, no caso. Hoje, posso dizer que o gênero nunca esteve morto, embora as produções tenham diminuído (e dá sinais de retomada nos últimos anos). Por outro lado, nas últimas três décadas, graças ao VHS e a DVD, muitos filmes foram resgatados do limbo e, provavelmente pela influência de adultos ou da simples condição de telespectador curioso, novos públicos começaram a curtir bang-bang. Basta ver quanto sucesso fazem as produções com John Waine. Mas creio que o leitor de Tex é particular um pouco em relação a tudo isso: ele é fiel e se renova muito lentamente. Tanto que a revista não vende mais 150 mil por edição como nos anos de 1980. Vale ressaltar que faroeste lida com vários elementos que pegam firme no emocional de grandes platéias: aventura, drama, romance e senso de justiça. Isso não morre nunca, sempre vai atrair pessoas interessadas.

Na condição de leitor, como você avalia o momento presente do personagem?
O momento é dos mais curiosos tanto no Brasil quanto na Itália porque existem várias revistas em circulação e, à exceção da série original, que traz novos títulos, todos os outros apresentam exaustivamente republicação de histórias antigas. Isso se reflete na manutenção do personagem como bom produto de vendas. É possível ler três ou quatro fases ao longo de 50 anos ao mesmo tempo ou até escolher pela leitura de apenas as mais antigas. Isso dilui um pouco as críticas de repetição que se poderia fazer hoje. Acho que, de forma competente, o Grupo Bonelli tem conseguido investir na concepção dos roteiros, apesar de descambar, às vezes, para o terror e o sobrenatural. As histórias atuais continuam eficientes como leitura de entretenimento, mas não são mais marcantes e antológicas como nos tempos de Gian Luigi Bonelli, seu criador. É co mo dizer que Janete Clair continua imbatível como criadora de telenovelas. Desde a sua morte em 1983, não apareceu ninguém que soubesse explorar o emocional do público com dramalhões folhetinescos como ela.

Achei interessante seu discurso em favor de Tex como produção artística, denunciando os preconceitos contra o personagem. De onde vem esta visão negativa sobre o personagem?
Acho que respondi parte da pergunta acima. Tex costuma ser reduzido a algo menor, de qualidade inferior, muito porque leitores mais humildes formam seu público maior de consumidores. Seriam pessoas menos escolarizadas e, portanto, num nível abaixo de quem consome super-heróis e graphic novels. Puro preconceito de classes. Se os quadrinhos sofrem até hoje o preconceito como sub-leitura e entretenimento para crianças em fase escolar, herança da intolerância dos tempos da guerra fria, reagir ou ignorar Tex é como não levar em conta a importância que a telenovela tem no imaginário popular brasileiro. Nos dois casos, há um grande público consumidor importante em todos os sentidos e que merece respeito também em diferentes escalas e níveis. Quem estuda comunicação e seus fenômenos não pode ignorar isso, compreende? Mas é o que acontece. Hoje, isso mudou em relação à pornochanchada, que virou objeto de culto. Na época, porém, era execrado pelos jornais. Tex ainda espera essa visão. Bom, espero que entrevistas como esta levem essas pessoas a entenderem meu propósito, pois não sei se lerão o livro.

Até onde li, a bibliografia crítica sobre os quadrinhos, editada no Brasil, é pouca e fraca. Em "Uma introdução política aos quadrinhos" (1982), Moacy Cirne faz uma leitura marxista desta mídia, que é bastante agressiva com seu conteúdo de entretenimento. Você acha que estas leituras "anti-imperialistas" influenciaram negativamente o estudo dos quadrinhos no Brasil?
Sem dúvida que sim. E continua a fazê-lo, como também acontece com aqueles que têm como missão escrever a história do Brasil pós-Segunda Guerra Mundial. Não temos ainda o distanciamento crítico e a imparcialidade necessários para estudar a história e a produção cultural do país nesses seis décadas. Esse discurso ultrapassado de anti-imperialismo aparece até hoje na discussão pela reserva de mercado para o artista brasileiro. Sou contra isso, acho que não tem de haver paternalismo, que leva ao parasitismo e só destrói ainda mais o mercado. Creio que nossos artistas deveriam trabalhar mais, ler mais, tornar-se competitivo como em qualquer profissão. Você não ganha uma maratona de 42 quilômetros se correr apenas dois ou dez por dia. Mas, se correr 60, terá boas chances. No livro “Enciclopédia dos Quadrinhos” (Opera Graphica, 2006), eu comento e resenho perto de 700 obras com o propósito de mostrar que existe sim uma ampla bibliografia sobre os quadrinhos, mas pouca coisa de realmente relevante.

Você é um dos poucos autores que tem se dedicado a contar a história dos quadrinhos no Brasil. Porque a contribuição da academia, neste sentido, ainda é tão tímida?
Primeiro, porque a academia passou década desprezando os gibis como produto de comunicação de massa. Até mesmo nas críticas implacáveis à chamada Indústria Cultural (pela Escola de Frankfurt) detonam a TV e o cinema, mas ignora-se os quadrinhos. De modo geral, a pesquisa de quadrinhos na academia ainda engatinha e o que tem saído começa a melhorar. Mas ninguém quer ainda adentrar na história, fazer uma investigação sobre fenômenos do passado. E falta senso crítico. Essa onda de adaptações literárias, por exemplo, tem sido tratada de modo equivocado até mesmo pelos pretensos críticos, que acolhem tudo sem qualquer juízo de valor e apenas aplaudem os editores. Ora, pelamordedeus, nós temos pouquíssimos editores de livros no Brasil no sentido literal do termo. A maioria é comerciante, para não usar termos mais fortes como mercenário e gigolô. De modo geral, são de uma mediocridade sem tamanho. Eles não lêem livros, nem mesmo o que publicam, apenas vão na onda do mercado. “Ah, Crepúsculo está vendendo? Do que se trata mesmo? Vampiros? Ah, vampiros. Vamos publicar vampiros. Quem tem livros de vampiros?” Esses caras estão publicando quadrinhos porque querem empurrar qualquer porcaria nos programas de compra de livros do Governo Federal, dos estados e dos municípios. É só isso. Que futuro podemos vislumbrar com isso? Ampliação de mercado? E você acha que esses editores pensam nisso? Outra questão: sem uma leitura crítica do que está sendo feito (quantas adaptações existem mesmo de O alienista? 150? 500? 900?) nossos artistas poderão evoluir?

Serviço: "O Mocinho do Brasil - A história de um fenômeno editorial chamado Tex" (Editora Laços, 2009, 208 páginas, R$ 39,90), do jornalista Gonçalo Junior

3 comentários:

Diêgo Silveira Maia disse...

O encontro de dois pesquisadores e jornalistas sérios só poderia resultar em uma boa entrevista!

Lo Simple es Bello disse...

desde Asunción Paraguai... Estes pontos de vista expostos pelos pesquisadores me fazem lembrar que uma realidade nacional (Brasil), nao é diferente duma realidade intrafamiliar (meu pai me surrava quando me achava lendo gibis do Tex e outros, tinha que ler escondido) webmaster@ses.com.py

dapraianet disse...

Rapazes (e até meninas?!?), PRESTEM ATENÇÃO ao foco importante que GJ levanta: cadê os editores? Cadê a academia (localmente)? E, mais importante que tudo (mirem o próprio umbigo), CADÊ O SENSO CRÍTICO? Abraços a todo(a)s! (Max Krichanã)

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